Aldir e a sombrinha.


Luis Fernando Veríssimo


O Jaguar sabia da nossa admiração por ele e organizou uma excursão à Zona Norte. Objetivo: conhecer o Aldir Blanc. Ele nos recebeu em sua casa, na Rua Garibaldi, Tijuca.

Me lembro que uma das peças da casa era ocupada por uma mesa de sinuca profissional, o que me pareceu adequado, assim como a sua barba de profeta. Aldir era um lacônico notório, e como eu não sou de falar muito, o Jaguar tinha previsto que nosso encontro seria uma troca de silêncios. Não foi, conversamos. Fomos conversando no caminho da casa ao Bar da Dona Maria, na esquina, onde nos esperavam pastéis de bacalhau inesquecíveis e o compositor Moacyr Luz , parceiro do Aldir em muitas músicas, com seu violão. A noite acabou na Casa da Mãe Joana, que eu não sei se ainda existe, com show do Walter Alfaiate e canja do Aldir no tamborim, igualmente inesquecíveis. O grande letrista, grande cronista e grande cara também era bom no tamborim!
Aldir Blanc e João Bosco escreveram a música tema da reação à ditadura que, segundo o Bolsonaro, nunca existiu, e da campanha pelas eleições diretas e a redemocratização do país. “O bêbado e a equilibrista” fala da volta sonhada do exílio do irmão do Henfil e da dor das viúvas de vítimas da repressão, como a companheira do jornalista Vladimir Herzog , assassinado pelo regime militar. Quem hoje carrega faixas pedindo outra intervenção militar como a de 64 não sabe como foi, sabe mas não se importa ou sabe e aprova com entusiasmo.
O quase hino do Aldir e do João Bosco também falava da esperança que subsistia nos tempos negros, a “esperança equilibrista” que andava na corda bamba “de sombrinha” ameaçando cair. Quem poderia imaginar que depois de tudo o que passamos e padecemos, na certeza de que, acontecesse o que acontecesse, ditadura nunca mais, estaríamos de novo carregando uma sombrinha metafórica numa corda bamboleante, sem saber o que nos espera no próximo passo? Os generais de fatiota que hoje ocupam o governo nos asseguram que não vem golpe. Não vem porque já veio, e nem precisaram de tanques na rua. Entraram no poder pela porta principal, atendendo a convites.
De qualquer maneira, não solte essa sombrinha.

Publicidade

Sobre jorgesapia

Abduzido pela folia foi tentar entender esse fenômeno no bacharelado de Ciências Sociais da UFF e no Mestrado em Sociologia do IUPERJ. Com sua identidade secreta dá aulas de sociologia, cultura brasileira e Teoria Social do Carnaval em diversas instituições. Entre um semestre e outro, despede-se de seus alunos com um Meu Bem, Volto Já, saudação que acabou dando nome ao bloco que fundou no Leme. Durante o reinado de Momo compõe sambas para diversos blocos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Esse post foi publicado em Colaboradores, Cultura Popular, Memória, Textos. Bookmark o link permanente.

4 respostas para Aldir e a sombrinha.

  1. jorgesapia disse:

    Com certeza. Eu estou tirando um monte de músicas das gavetas.

    Curtido por 1 pessoa

  2. Panografias disse:

    Estou bem, meu caro, seguindo o procolo: fique em casa! Tenho várias composições pela metade… uma hora destas sai rsrsrsrs Grande abraço!

    Curtir

  3. jorgesapia disse:

    Obrigado amigo. Como vão indo as composiçoes?

    Curtido por 1 pessoa

  4. Panografias disse:

    Texto impecável e maravilhoso… obrigado por compartilhar meu querido amigo! um forte abraço

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.