Não gosto de manual.


Detesto manual. Gosto de muitas coisas, mas detesto manual. Tento sempre deixar isso muito claro para evitar qualquer desentendimento. Nas redes de relacionamento, por exemplo, meu perfil é transparente: gosto de canto orfeônico; de harpa; de ler, antes de dormir, algumas páginas de Os Lusíadas, de Camões. Gosto de caminhar na orla de Copacabana sábados e domingos à tarde, tomando a precaução de ligar a TV, antes de sair de casa, sintonizada no programa do Faustão. Acho que isso serve para deixar claro meu gosto pela cultura popular.  Adoro, também, acordar as quatro e meia da madrugada para espiar o nascer do sol, principalmente em dias nublados.

Como podem ver, gosto de muitas coisas e não quero me estender na descrição dos meus gostos pois, como deixa a claro a sabedoria popular espanhola, “Para muestra, un botón sirve”.

Mesmo com essa clareza e essa transparência devo confessar que até agora não rolou em meus perfis, nem um like, nem um crush sequer. Imagino tratar-se de algum problema de conexão. Só pode ser. Agendarei, para depois da pandemia – se tiver depois -, com minha operadora para verificar a conexão. 

Não sei por que peguei esse desvio. Gostaria de voltar ao caminho principal: detesto manual. Lembrei disto porque, ontem, consegui acertar o relógio que fica na mesa de cabeceira e que estava, faz tempo, atrasando muito. Nestes tempos em que nos urge ir para a frente, relógio que atrasa não adianta, como bem sabemos ao olhar para o governo nacional.

Lembro de ter saído uma manhã para caminhar com uma ideia fixa na cabeça: comprar um relógio digital de pilha. Pra quê? Vocês podem perguntar. Pra que um relógio em tempos de smartfone? Pois bem, lá fui eu as compras. Na loja, percebi que o relógio iria causar problemas quando pedi ao vendedor para dar uma olhadinha no produto. O fato é que o relógio, que não mexia com meu bolso, mexeu com meu coração. Não sei se era a coisas como essas que Blaise Pascal se referia quando falou que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Preciso investigar.

O fato é que resolvi comprar e pedi gentilmente ao vendedor que me ensinasse o funcionamento do aparelho. Ele tirou o manual da caixa e, antes de começar a ler, falou sorridente: fácil, fácil. Aberta a folha do manual – descobri depois que estava em chinês e francês – o vendedor, descendente de coreanos, dobrou a folha e a guardou novamente na caixa, começando a mexer nos cinco botões do relógio: Mode-Set-Up-Down-Timer e S/C.

Levou, no relógio, 23 minutos para acertar as horas. Lembro que me entregou o produto com um sorriso amarelo que impediu que eu fosse a procura de um outro mais simples.  

Faz tempo tirei as pilhas do bicho que continuava atrasado desde a última vez que tentei acertar as horas. Agora, com tempo livre, resolvi colocar muitas coisas em dia. O relógio foi uma delas. Vamos combinar que hoje não dá para ficar cantando RELOJ, bolero imortalizado por Armando Manzanero, lembram dele?

Reloj no marques las horas
Porque voy a enloquecer
Ella se irá para siempre
Cuando amanezca otra vez

Pois bem, para evitar qualquer outro desvio comento que a tarefa que me propus não foi fácil. Depois de muito pensar e de manusear inutilmente os botões (Mode-Set-Up-Down-Timer e S/C) deu um estalo e resolvi tirar as pilhas do relógio. Sem pilhas, com o relógio na mão, sentei a frente do meu laptop e, com o meu smartphone ligado, esperei pacientemente dar as 12 do meio dia.

Quando o 12:00 apareceu simultaneamente em ambas telas, coloquei as pilhas e Splish splash! A luz se fez e, agora, sem necessidade da leitura do manual, o relógio está perfeitamente coordenado com o resto dos aparelhos. Qual a importância disso? Não sei mas peço que, por favor, não peçam para acertar o dia, o mês e a temperatura. Grato.

Publicidade

Sobre jorgesapia

Abduzido pela folia foi tentar entender esse fenômeno no bacharelado de Ciências Sociais da UFF e no Mestrado em Sociologia do IUPERJ. Com sua identidade secreta dá aulas de sociologia, cultura brasileira e Teoria Social do Carnaval em diversas instituições. Entre um semestre e outro, despede-se de seus alunos com um Meu Bem, Volto Já, saudação que acabou dando nome ao bloco que fundou no Leme. Durante o reinado de Momo compõe sambas para diversos blocos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Esse post foi publicado em Crônicas. Bookmark o link permanente.

4 respostas para Não gosto de manual.

  1. jorgesapia disse:

    Que coisa boa. Está desculpada. Ficarei de olho nos argumentos. Tudo de bom.

    Curtir

  2. Desculpe mas seu texto vai render uma tréplica em texto meu 🙂 AMO manuais.

    Curtir

  3. jorgesapia disse:

    Exatamente! Abraços

    Curtir

  4. Haha que aventura, eu passo longe de manuais. Jogo logo no youtube

    Curtir

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.