Tem gente que não gosta de bloco de carnaval. Carlos Fidelis


Recebi do meu querido amigo de vida, de luta, parceiro de muitos carnavais e de boas gargalhadas, Carlinhos Fidelis. Caminhamos juntos em muitos projetos. Alguns, bem sucedidos, outros nem tanto, mas sempre divertidos. O texto foi escrito faz tempo mas, me informa o autor, que lembrou dele lendo meu post anterior. Então ai vai!

Aproveito para colocar registros de parte desses encontros com o autor e Andrea Estevão nossa nova editora!

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Tem gente que não gosta de bloco de carnaval.

É fato, tem gente que não gosta mesmo. Outros não conhecem e acham que todos os blocos são iguais. O carnaval de rua tem blocos para todos os gostos. Também vá lá: para quase todos. O fato é que eles são muito diversificados, saem em horários distintos e atraem públicos também bastante diferentes. O que dizer das crianças que animam os Gigantes da Lira que desfila em uma rua arborizada nas bonitas manhãs da General Glicério. E dos Escravos da Mauá com seu cortejo de pernas de pau e gente ligada ao teatro e à rica história da zona portuária. E o encantador rancho A Flor do Sereno? O frevo do Ansiedade que traz um pouco de Pernambuco para o Rio de Janeiro. E o animadíssimo Cordão do Boitatá que enfeita o centro e enche suas ruas de música e fantasias.

Os ritmos são muitos e a lista é grande. Reúne desde blocos bregas como o Fogo e Paixão ou os beatlemaníacos do Sargento Pimenta. Tem bloco de Maracatu, de marchinhas, de enredo, de axé. Bloco de jornalistas, de cineastas, de alpinistas, bloco de crianças, de bêbados, de malucos, de gênero, religioso, de burguês, de proletário, da velha e da nova guarda. Tem bloco da Zona Sul e da Zona Norte. Tem bloco até na Barra. Tem bloco que fala de política e outros que exaltam tradições culturais diversas. Tem bloco com trabalho social.Tem bloco do sujo, da lata. Tem até o bloco do Eu Sozinho.

O carnaval de rua é mais do que diversão. É pertencimento. É identidade. É território. É geração de renda para empresários, para o Estado, para o município e para trabalhadores menos afortunados. É preservação de tradições que forma músicos, compositores e interpretes. É economia. É política. É encontro. É arte.

Mikhail Bakhtin, que pensou sobre muitos temas tais como a linguagem, as manifestações festivas, e as possibilidades de dialogo, gostava de lembrar que “as pessoas vão à igreja pelos mesmos motivos que vão à taverna: para estupefazerem-se, para esquecerem-se de sua miséria, para imaginarem-se, de algum modo, livres e felizes.” Friedrich Nietzsche, pensador para quem a vida só era possível pela arte, afirmava que esta última só existe “para que a realidade não nos destrua”.

Podemos também pensar nas delicias das coisas inúteis, afinal assobiar ou cantar uma canção não serve para nada, a não ser tornar a vida mais feliz. São múltiplos os aspectos que envolvem o carnaval de rua, entre eles a possibilidade de trocar a fantasia surrada da aparência cotidiana por uma mais glamorosa. Porém como se diz: nem Jesus agradou a todos.

Tem gente que só gosta de festas fechadas. Entretanto, para quem não gosta de carnaval de rua ainda resta um consolo: é só uma vez por ano.

Sobre jorgesapia

Abduzido pela folia foi tentar entender esse fenômeno no bacharelado de Ciências Sociais da UFF e no Mestrado em Sociologia do IUPERJ. Com sua identidade secreta dá aulas de sociologia, cultura brasileira e Teoria Social do Carnaval em diversas instituições. Entre um semestre e outro, despede-se de seus alunos com um Meu Bem, Volto Já, saudação que acabou dando nome ao bloco que fundou no Leme. Durante o reinado de Momo compõe sambas para diversos blocos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
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