A INTIMIDADE DE XUXA EM ALTO-MAR!


Jorgito Sapia

Sou do tempo em que banca de jornal era uma das portas de observação do mundo. A variedade de produtos que saíam do enorme parque gráfico brasileiro, encontrava, nas bancas de jornal, porto seguro de ancoragem.

Aqui no Rio, banca bem localizada, se encontra, geralmente, em frente de padaria. Padaria e banca de jornal são uma dupla imbatível.

Perdi a conta das vezes que segui o ritual matinal, encostado no balcão da padaria, dando uma olhadela nas manchetes dela, enquanto mexia a colher, na xícara, para esfriar o café. Sempre no aguardo do pão com ovo, gema mole, que o atendente colocava na chapa assim que me via subir os três degraus que separam a calçada, do estabelecimento. Poderia me gabar e dizer que tinha prestígio naquele local. Estaria faltando com a verdade. A maioria dos clientes são servidos com a mesma presteza e gentileza. É bom esclarecer que os gostos e preferências são tão diversos, quanto diversos são os títulos dos jornais, hebdomadários e revistas que habitam a banca. E, mesmo assim, a possibilidade de erro na entrega do pedido é mínima, por não dizer, inexistente. Só para ficar no pão com ovo, temos: gema mole, gema dura, no ponto, queimadinho, chapado, com pão na chapa, com pão sem aquecer, com sal, sem sal, com uma fatia de presunto e por aí vai. Quer ver diversidade de gostos? Fica, pra tu ver, dez minutos numa padaria movimentada.

Pois é, lá do balcão, dava para ter uma visão global da banca do Santos, no Leme. Banca familiar trabalhada pelo pai, pelo filho mais moço e pelo Santos, o mais velho da família. Fizesse chuva, sol, frio o calor as portas abriam cedo e os títulos desfilavam garbosos chamando a atenção do público que, geralmente, se acotovelava e espichava os olhos, nas laterais, para tentar tirar uma casquinha das notícias do dia. Meia manchete bastava para tornar o cidadão feliz ou infeliz. Poucos comentários, é verdade, mas muitos olhares cúmplices que se diluíam quando cada um tomava o caminho das obrigações diárias.

Pois é, essas bancas não existem mais. Assim como não existe o prazer de abrir e folhear um jornal sentado, confortavelmente, na mesa de um bar. Dia desses fiz essa experiência, entrei num misto de bar e restaurante, escolhi numa mesa dupla, pedi um chopp e eu, que sempre fui leitor do JB, abri calmamente o jornal O Globo.  Na terceira página virada, notei que boa parte dos frequentadores olhava em minha direção com ar de surpresa. Imagino que alguma criança deva ter perguntado, o que e que esse senhor está fazendo naquela mesa? Perdi a concentração, bebi o chopp, mas mantive a dignidade, não tirei o celular o bolso.

Pois bem, aquelas bancas de jornal que fizeram Caetano exaltar e se perguntar “O sol nas bancas de revistas/ me enche de alegria e preguiça/Quem lê tanta notícia?” não existem mais, assim como não existe o Sol.

Calma, calma, perai! Não estou a falar do astro rei, me refiro, – e o mano Caetano também -, ao SOL, suplemento do Jornal dos Sport que chegava as bancas em 1967, por iniciativa de Reynaldo Jardim e a jornalista Ana Arruda Callado. Durou pouco, mas parece ter sido uma trincheira pelas qual passaram os jornalistas, cronistas, caricaturistas que pouco tempo mais tarde estariam colaborando nas publicações alternativas que resistiam à ditadura: Pasquim, Opinião e o jornal Movimento.

Hoje essa observação se dá pelos portais que se multiplicam diariamente pelo sistema de informação global criado por Tim Berners-Lee em 1989. Por sinal, ano emblemático e que começou mal, com o naufrágio do Bateau Mouche durante o réveillon de Copacabana. Nesse ano o Brasil elegeu o caçador de marajás; caiu o muro de Berlin; faleceu Salvador Dali; acabou a guerra fria; o solitário professor que enfrentou os tanques chineses na Praça da Paz Celestial, desapareceu; Salman Rushdie, teve sua cabeça a prêmio pelo Ayatolá Komeini depois de publicar seu livro, Os Versos Satânicos. Você poderá não acreditar, mas, nesse ano também, o Vasco da Gama foi campeão brasileiro pela segunda vez.

Pois é, as bancas de jornal tiveram, também, que se reinventar. Hoje são lojas de conveniências. Vendem café, refrigerantes, cerveja gelada, tira-gostos; artigos eletrônicos de pequeno porte; chips para celulares; algumas contam com espaço para publicidade. Na região central da cidade as bancas disputam o happy hour com os botecos mais tradicionais. Algumas, como a banca do André, ali na rua Pedro Lessa, entre o Centro Cultural da Justiça Federal e a Biblioteca Nacional, quando é noite de fervo, é possível encontrar as mais diversas tribos urbanas confraternizando, e curtindo música da melhor qualidade.

Tudo isso passou pela minha cabeça quando ao passar por uma pequena banca de Jornal na reta de Teresópolis, deparei com a capa da revista Caras que trazia uma foto da Xuxa sendo lambida, no rosto, pela sua cachorra Doralice. A manchete prometia: A Intimidade de Xuxa em Alto Mar. Confesso que depois das histórias com o cachorro do Milei preferi, embora mordido pela curiosidade, passar ao largo da oferta sem tomar conhecimento das lambidas que poderiam ter sido dadas na intimidade. Imediatamente lembrei da revista Bundas e seu slogan redondo: Quem mostra a bunda em Caras, não mostra a cara em Bundas.  

Não comprei. Fiz bem?

Sobre jorgesapia

Abduzido pela folia foi tentar entender esse fenômeno no bacharelado de Ciências Sociais da UFF e no Mestrado em Sociologia do IUPERJ. Com sua identidade secreta dá aulas de sociologia, cultura brasileira e Teoria Social do Carnaval em diversas instituições. Entre um semestre e outro, despede-se de seus alunos com um Meu Bem, Volto Já, saudação que acabou dando nome ao bloco que fundou no Leme. Durante o reinado de Momo compõe sambas para diversos blocos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
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