MADRES DE PLAZA DE MAYO:

47 ANOS DE LUTA PELA MEMÓRIA E JUSTIÇA.

Jorge Sapia

Na Argentina, o pesadelo que representa a chegada da ultradireita liderada por Javier Milei, presidente negacionista que governa pela rede social X, pelo lamentável humor de derrisão e por sua vice, Victoria Villaruel, defensora da ditadura que implementou o terrorismo de estado, torna necessário não arriar a bandeira de defesa dos direitos humanos. Assim como torna necessário perceber, que uma parcela não desprezível da população – tanto lá, quanto cá – apoia as práticas abjetas que ditadores de turno implementaram em nossas realidades. Aqui, basta lembrar do futuro detento, reivindicando o torturador coronel Brilhante Ustra sendo aplaudido por não poucos.

A necessidade de estar alerta ficou clara, na fala de Taty Almeida, presidenta das Madres de Plaza de Mayo, na recente mobilização que levou mais de 1 milhão de pessoas a manifestar contra o desmonte da Universidade Pública:

“A única luta que se perde é a que se abandona. Não deixem de lutar, é o que dissemos nós…as ‘loucas’, que mesmo com bengalas e cadeiras de rodas, continuamos de pé!”

Desde o dia 30 de abril de 1977 as mães continuam de pé. Naquela data, 14 mães ocuparam pela primeira vez o espaço público que sintetiza e simboliza o poder político na Argentina: a Plaza de Mayo. Reivindicavam informações sobre seus filhos e familiares sequestrados pelas Forças Armadas. Hoje sabemos que foram vítimas da nova metodologia repressiva na América Latina: o desaparecimento forçado de pessoas.

 Com o retorno à democracia, esse gesto inaugural se projetou numa série de ações políticas adotadas no âmbito da defesa dos direitos humanos e das políticas públicas de recuperação da memória histórica, em diversas realidades, dentre elas: Comissões de Verdade na Bolívia (1982), Argentina (1983) Uruguai (1985 e 2000), Zimbábue (1985), Uganda e Chile (1986) África do Sul (1995) e Brasil (2011).

A ocupação da Plaza de Mayo resultou da oportuna sugestão de Azucena Villaflor de Vicente, mãe de um desaparecido, e posteriormente, sequestrada e, também, desaparecida.  Num cenário de silêncio e terror social vislumbrou a necessidade de transcender a busca individual ao propor uma ação conjunta com outros afetados. A sugestão nos remete à reflexão arendtiana do agir político. Arendt, em seu elogio da ação e do discurso, diz que para atuar coletivamente não é necessário ter uma compreensão precisa da história, basta encontrar palavras adequadas no momento oportuno para dar origem a uma ação. Portanto, se agir, significa tomar iniciativa, a sugestão do encontro e a iniciativa de ocupação da Plaza de Mayo virou ação política. Ação que rompeu o silêncio que todo autoritarismo exige e resgatou a palavra, interditada pela ditadura cívico-militar que implantou o Terrorismo de Estado na Argentina em março de 1976.

Há 47 anos se originou o movimento das Mães e das Avós da Plaza de Mayo, responsáveis, estas últimas, pela denúncia de um novo delito: o plano sistemático de apropriação dos filhos das pessoas sequestradas e posteriormente desparecidas. Sua Luta permitiu recuperar, até hoje, 133 filhos e netos de um total de 500 sequestrados após o parto e desaparecimento de suas mães. Solidariedade, apoio emocional e firmeza na sua confrontação com o Estado orientaram a ação de Mães e Avós. Se a ação e o discurso são, como insiste Arendt, “a efetivação da condição humana da natalidade”, isto é, da capacidade de recomeçar, podemos entender quando as Mães afirmam que foram paridas pelos seus filhos.

 São 47 anos de luta e superação diária. Tentaram desestruturá-las com o sequestro e desaparecimento da sua fundadora, Azucena e treze outras mães, no aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1977.

Com muito medo e dor retornaram à Praça e lá se mantiveram firmes, apesar das ameaças, durante o Campeonato Mundial de Futebol em 1978. Mesmo assim, ganharam, durante o evento, reconhecimento da mídia internacional e nova esperança.

Foram estigmatizadas pela propaganda oficial, durante a visita que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou no país em 1979. Nessa oportunidade, enquanto Mães e familiares se organizavam para formular suas denúncias, os produtores do medo anunciavam que “os argentinos eram direitos e humanos”.  É bom lembrar que as Mães e as Avós da Plaza de Mayo foram das poucas vozes levantadas, em 1982, contra a Guerra das Malvinas – arquipélago ocupado pela Inglaterra em 1833 e que orienta, até hoje, leituras nacionalistas.

A derrota militar nas Malvinas, seguida de vertiginosa recriação do espaço público, transformaram, Mães e Avós da Plaza de Mayo, em interlocutores privilegiados no processo de transição política. Nesse contexto, a palavra de ordem “julgamento e castigo a todos os culpados” – palavra que recupera a recomendação do informe da Comissão Interamericana sobre o Desaparecimento de Pessoas (CIDH) – tornou-se demanda hegemônica do Movimento de Direitos Humanos (MDH), sustentada na opinião pública que enfatizava o não esquecimento do Terrorismo do Estado.

Já na democracia, o presidente Raúl Alfonsín (1983-1989), criou a Comissão Investigadora Sobre a Desaparição de Pessoas, CONADEP. Suas recomendações foram incorporadas pela (CIDH) na convenção de Belém do Pará em 1994. A convenção considera a desaparição de pessoas delito “continuado ou permanente, enquanto não se estabelecer o destino ou paradeiro da vítima”.  Sua adoção permitiu, até hoje, a condenação – em julgamentos que respeitam todas as garantias legais – de 1159 pessoas. No Brasil, por exemplo, permitiu ao Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) denunciar, recentemente, à Justiça o coronel reformado Brilhante Ustra, comandante do (DOI-Codi-SP) no período de 1970 a 1974.

Novos retrocessos e ameaças chegaram com as leis de “Ponto Final’ e da ‘Obediência Devida”, ambas de 1987, assim como o indulto promulgado pelo Presidente Menem (1989-1999), beneficiando os ex-comandantes condenados no julgamento histórico de 1985, não foram suficientes para que as bandeiras fossem arriadas, pelo contrário, desse torturante processo surgiu uma nova agrupação, formada por descendentes diretos das vítimas da repressão – Filhos dos Desaparecidos.

           Finalmente, um passo decisivo para a recuperação da memória e da justiça foi dado pelo presidente Néstor Kirchner, em 2004, ao discursar na Assembleia Geral da ONU e se assumir como filho das Mães e das Avós da Plaza de Mayo. Nessa oportunidade, declarou a inconstitucionalidade das leis de “Ponto Final” e da “Obediência Devida”, ratificando a ideia de que os desaparecimentos, sequestros e torturas, são delitos contra a humanidade, isto é, categoria de ilícitos que repugnam a consciência universal.

       Memória, Verdade e Justiça, bandeiras desfraldadas na sua longa trajetória, acenam com a possibilidade de reencantar o mundo.

        As Mães da Plaza de Mayo comemoram 47anos de luta em pé, mostrando a importância de tecer uma memória histórica que possa ser eficaz contra a impunidade.

      A emergência de uma direita que perdeu a vergonha de mostrar publicamente seus valores deixa clara a necessidade de apostar na defesa das instituições democráticas tanto na Argentina, quanto no Brasil.

Nora de Cortiñas Presidente de “Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora”. Acervo pessoal.

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É O FIM! TEMPESTADE SOLAR NO HORIZONTE!

Um senhorzinho, boné do Vasco, barba branca, camiseta com a inscrição “só Jesus salva”, calça de tergal vincada e tênis sem cadarço entrou no ônibus da viação Teresópolis. Estava cheio de malas, sinal que saltaria antes de chegar à rodoviária da cidade serrana. Levou um tempo para acomodar bolsos, malas e diversos embrulhos no estreito bagageiro acima dos assentos.

Assim que o ônibus pegou a pista preferencial da av. Brasil, começou a ouvir, no maior volume, os vídeos que apareciam no reels da rede social que ele acessou no seu smartphone. Seu companheiro de banco, da mesma faixa etária, calçava tênis de marca, vestia uma calça jeans justa uma camiseta com um desenho pré-colombiano com a inscrição Cartagena -Colômbia, não tomou conhecimento das histórias que saiam do celular do companheiro de viagem, pois, assim que entrou, colocou um fone de ouvido com bluetooth de última geração que o manteve a prudente distância sonora do senhor em questão e dos demais simples mortais.  

A moça, no banco da frente, viajava sozinha, oh sorte! – como diria o mestre Wilson das Neves – tinha o laptop aberto no colo, espichei o olhar e pelo que deu pra ver, estava analisando um power point. Depois de mexer, com dedo indicador no mouse do aparelho, virou-se, visivelmente contrariada, tentando identificar o passageiro que continuava a ouvir notícias nada alentadoras sobre o futuro do planeta. 

Confesso que me distrai um instante movido pela curiosidade da mensagem de voz, via WhatsApp, que meu companheiro de assento estava enviando. Resumidamente, informava que não informaria, nesse momento, a seu interlocutor, porque o que tinha que informar requeria discrição e que ele, nesse instante, compartilhava o espaço com quase 35 outros passageiros e que não considerava apropriado ventilar publicamente seus problemas. Não sei por que achei que fosse uma indireta ao sujeito que colocara o celular no maior volume. Direta ou indireta fiquei na ignorância do acontecido com meu circunstancial companheiro de viagem. Não tive nem tempo pra lamentar pois minha atenção foi desviada por uma voz feminina que vinha de alguns bancos atrás: “Alô mãe, tudo bem com a senhora?…Pois é, passei mal, não fui trabalhar e estou subindo para Teresópolis.  Alô, alô? Dorflex? Não mãe, os sintomas são outros” e não avançou na descrição pois, emendou, um “quando chegar te conto”.

Quando olhei pelo rabo do olho para o passageiro que viajava no banco de trás, a minha esquerda, percebi que balançava a cabeça em sinal de desaprovação. Notei que cutucara quem estava do seu lado, mostrando, com um movimento da cabeça que lhe permitiu apontar com o queijo a placa que diz: É proibido aparelhos sonoros no interior do veículo. Ficou por isso mesmo.

Enquanto eu, que antes de entrar no ônibus estava com uma sonolência danada – por motivos que não vem ao caso -, não consegui cochilar um segundo sequer, alarmado que fiquei com teor das informações que emanavam do misto de rádio e telefone do sujeito. Não tinha muita certeza, mas me pareceu ouvir que em breve, por uma conjunção de motivos que não consigo elencar, mas que estariam relacionados a um fenômeno em que o sol liberaria umas partículas eletricamente carregadas que, se atingirem a terra, coisa que o comentador dava como certo, elas queimariam todos os tipos de equipamentos eletrônicos, entre eles a infraestrutura da internet provocando um caos de dimensões globais. Meu sono foi embora. Só conseguia pensar no drama individual e no coletivo que a notícia carregava.

Para começar me perguntei que faria com o Notebook Dell Inspiron I15-I1300-A30S 15.6″ Full HD 13ª Gen Intel Core i7 16GB 1TB SSD Win 11 Prata Versão Alumínio que eu acabara de comprar em 12, não tão suaves, prestações na Amazon. Perdi, pensei.

Fiz umas contas rápidas e conclui que não tinha milhas suficientes para embarcar num ônibus espacial capaz de colocar distância entre a terra arrasada e o sedutor espaço sideral, mesmo considerando os investimentos milionários que Jeff Bezos (Amazon), Elon Musk (Tesla e SpaceX) e Richard Branson (Grupo Virgin) estão fazendo para tornar as viagens espaciais mais acessíveis. Lembrei, também, que Baby do Brasil avisou no último carnaval em Salvador que o Apocalipse era pule de dez e, na sequência, constatei que sequer tenho dinheiro suficiente para bancar a ratatá do condomínio dos bunkers bilionários que estão sendo construídos para se proteger quando o caos climático torne o ar da terra irrespirável.

Imediatamente passou pela minha cabeça o drama dos/das viúvas do BBB que ficariam sem saber quem iria para o paredão, depois que Yasmim Brunet e Wanessa Camargo foram expulsas pelo público que, qual anfiteatro romano, colocara o polegar pra baixo para indicar a defenestração das meninas do Brasil.

Curioso ou preocupante? Não sei explicar ainda. Só sei que naquele momento passavam pela minha mente as imagens mais bizarras do nosso futuro mediato ameaçado pela próxima tempestade solar. Lembrei que na noite anterior tinha baixado da conta pirata da Biblioteca Secreta A Cor que Caiu do Céu, conto de H.P Lovecraft e tinha a intenção de lê-lo na viagem.   Não teve outra, pensei imediatamente, no famoso algoritmo e o desassossego aumentou. Será que o google está lendo certo por linhas tortas? Não é muita coincidência ter baixado um conto do mestre do terror que fala, justamente, da queda de um meteorito que mudou a configuração da paisagem de Arkham enquanto ouvia a mensagem do iminente fim dos tempos pelo rádio do vizinho. Não tive como não imaginar que alguém estava dizendo: estamos de olho!

Só consegui relaxar quando lembrei do Assis Valente e seu magnífico samba E o mundo não se acabou. Lembram dessa pérola?

Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada

A lembrança do compositor nascido em Santo Amaro me relaxou um pouco. Quando olhei pro lado vi que o pivô da questão tinha caído em sono profundo, com direito a roncos tão altos quanto a fala do locutor que dava a notícia referida com tintes de Reporter Esso. Dormindo o sono dos justos não percebeu as paradas que a viação deu nos 6 km que separam o Soberbo da Várzea. Só acordou quando o buzum entrou na rodoviária, recentemente inaugurada depois de uma obra que levou um ano e não disse, ainda, ao que veio.

O responsável pelo furdunço acordou, segundo pude perceber, meio atordoado e, batata, passou do ponto, foi o que deduzi eu, e meus companheiros de viagem quando o moço soltou um Puta que pariu, dormi demais!

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A INTIMIDADE DE XUXA EM ALTO-MAR!

Jorgito Sapia

Sou do tempo em que banca de jornal era uma das portas de observação do mundo. A variedade de produtos que saíam do enorme parque gráfico brasileiro, encontrava, nas bancas de jornal, porto seguro de ancoragem.

Aqui no Rio, banca bem localizada, se encontra, geralmente, em frente de padaria. Padaria e banca de jornal são uma dupla imbatível.

Perdi a conta das vezes que segui o ritual matinal, encostado no balcão da padaria, dando uma olhadela nas manchetes dela, enquanto mexia a colher, na xícara, para esfriar o café. Sempre no aguardo do pão com ovo, gema mole, que o atendente colocava na chapa assim que me via subir os três degraus que separam a calçada, do estabelecimento. Poderia me gabar e dizer que tinha prestígio naquele local. Estaria faltando com a verdade. A maioria dos clientes são servidos com a mesma presteza e gentileza. É bom esclarecer que os gostos e preferências são tão diversos, quanto diversos são os títulos dos jornais, hebdomadários e revistas que habitam a banca. E, mesmo assim, a possibilidade de erro na entrega do pedido é mínima, por não dizer, inexistente. Só para ficar no pão com ovo, temos: gema mole, gema dura, no ponto, queimadinho, chapado, com pão na chapa, com pão sem aquecer, com sal, sem sal, com uma fatia de presunto e por aí vai. Quer ver diversidade de gostos? Fica, pra tu ver, dez minutos numa padaria movimentada.

Pois é, lá do balcão, dava para ter uma visão global da banca do Santos, no Leme. Banca familiar trabalhada pelo pai, pelo filho mais moço e pelo Santos, o mais velho da família. Fizesse chuva, sol, frio o calor as portas abriam cedo e os títulos desfilavam garbosos chamando a atenção do público que, geralmente, se acotovelava e espichava os olhos, nas laterais, para tentar tirar uma casquinha das notícias do dia. Meia manchete bastava para tornar o cidadão feliz ou infeliz. Poucos comentários, é verdade, mas muitos olhares cúmplices que se diluíam quando cada um tomava o caminho das obrigações diárias.

Pois é, essas bancas não existem mais. Assim como não existe o prazer de abrir e folhear um jornal sentado, confortavelmente, na mesa de um bar. Dia desses fiz essa experiência, entrei num misto de bar e restaurante, escolhi numa mesa dupla, pedi um chopp e eu, que sempre fui leitor do JB, abri calmamente o jornal O Globo.  Na terceira página virada, notei que boa parte dos frequentadores olhava em minha direção com ar de surpresa. Imagino que alguma criança deva ter perguntado, o que e que esse senhor está fazendo naquela mesa? Perdi a concentração, bebi o chopp, mas mantive a dignidade, não tirei o celular o bolso.

Pois bem, aquelas bancas de jornal que fizeram Caetano exaltar e se perguntar “O sol nas bancas de revistas/ me enche de alegria e preguiça/Quem lê tanta notícia?” não existem mais, assim como não existe o Sol.

Calma, calma, perai! Não estou a falar do astro rei, me refiro, – e o mano Caetano também -, ao SOL, suplemento do Jornal dos Sport que chegava as bancas em 1967, por iniciativa de Reynaldo Jardim e a jornalista Ana Arruda Callado. Durou pouco, mas parece ter sido uma trincheira pelas qual passaram os jornalistas, cronistas, caricaturistas que pouco tempo mais tarde estariam colaborando nas publicações alternativas que resistiam à ditadura: Pasquim, Opinião e o jornal Movimento.

Hoje essa observação se dá pelos portais que se multiplicam diariamente pelo sistema de informação global criado por Tim Berners-Lee em 1989. Por sinal, ano emblemático e que começou mal, com o naufrágio do Bateau Mouche durante o réveillon de Copacabana. Nesse ano o Brasil elegeu o caçador de marajás; caiu o muro de Berlin; faleceu Salvador Dali; acabou a guerra fria; o solitário professor que enfrentou os tanques chineses na Praça da Paz Celestial, desapareceu; Salman Rushdie, teve sua cabeça a prêmio pelo Ayatolá Komeini depois de publicar seu livro, Os Versos Satânicos. Você poderá não acreditar, mas, nesse ano também, o Vasco da Gama foi campeão brasileiro pela segunda vez.

Pois é, as bancas de jornal tiveram, também, que se reinventar. Hoje são lojas de conveniências. Vendem café, refrigerantes, cerveja gelada, tira-gostos; artigos eletrônicos de pequeno porte; chips para celulares; algumas contam com espaço para publicidade. Na região central da cidade as bancas disputam o happy hour com os botecos mais tradicionais. Algumas, como a banca do André, ali na rua Pedro Lessa, entre o Centro Cultural da Justiça Federal e a Biblioteca Nacional, quando é noite de fervo, é possível encontrar as mais diversas tribos urbanas confraternizando, e curtindo música da melhor qualidade.

Tudo isso passou pela minha cabeça quando ao passar por uma pequena banca de Jornal na reta de Teresópolis, deparei com a capa da revista Caras que trazia uma foto da Xuxa sendo lambida, no rosto, pela sua cachorra Doralice. A manchete prometia: A Intimidade de Xuxa em Alto Mar. Confesso que depois das histórias com o cachorro do Milei preferi, embora mordido pela curiosidade, passar ao largo da oferta sem tomar conhecimento das lambidas que poderiam ter sido dadas na intimidade. Imediatamente lembrei da revista Bundas e seu slogan redondo: Quem mostra a bunda em Caras, não mostra a cara em Bundas.  

Não comprei. Fiz bem?

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Dia Nacional da Memória por Verdade e Justiça

Argentina: Dia Nacional da Memória por Verdade e Justiça

Domingo, 24 de março, é feriado na Argentina.  Não é um feriado qualquer. Foi criado por lei em 2002 e comemora o “Dia Nacional da Memória por Verdade e Justiça”.  A data tem por objetivo lembrar das vítimas do golpe cívico, religioso e militar implantado em 1976 e a necessidade de continuar reivindicando “julgamento e castigo para todos os culpáveis”, responsáveis pela da implantação do Terrorismo de Estado, categoria que designa, basicamente, uma prática de detenções forçadas, torturas, assassinatos e desaparições organizadas pelo Estado.

O terrorismo de Estado sustentou o programa econômico neoliberal que hoje, 48 anos depois daquele golpe, volta assombrar a sociedade argentina. O programa neoliberal segue o roteiro básico: diminuição do tamanho do Estado, redução do gasto público, privatização de empresas estatais, e o mercado como regulador econômico capaz de equilibrar as relações entre a oferta e a procura. Naquela oportunidade, a nova intervenção militar usou e abusou da violência como prática de controle, silenciamento e disciplinamento do conjunto da sociedade. Resumindo, o projeto econômico tratou de contentar o mercado e silenciar a sociedade pela implantação de um sistema de terror cuja metodologia consistiu na perseguição, detenção, sequestro, tortura, morte e desaparição de pessoas em massa.

O terrorismo de Estado deixou um enorme saldo de destruição e morte que ainda hoje oferece as coordenadas da luta política ativa sobre o sentido do que aconteceu e sobre o sentido da memória. As memórias são objeto de disputas, lutas e conflitos que delimitam as relações de poder.

O Movimento de Direitos Humanos – resumidamente Mães e Avós de Praça de Maio e Filhos de Detidos e Desaparecidos -, estima em 30.000 o número de pessoas detidas e desaparecidas – por unidades regulares das forças armadas e policiais – desde a implantação do sistema de terror em 1976 até sua debacle, produzida pela derrota da guerra de Malvinas.

A luta do movimento de direitos humanos, ator político central na ditadura, na transição e nestes 40 anos de democracia, desempenhou o papel de “empreendedor da memória” e foi fundamental para transformar boa parte dos quase 700 centros clandestinos de tortura, extermínio e desaparição em museus e espaços de Memória.

Diversos foram os caminhos pelos quais as políticas de memória foram construídas. Vou tomar um aspecto, talvez menor, mas que permite um rápido acesso para cotejar ou ilustrar a questão em pauta. Me refiro à produção cinematográfica argentina dos últimos 40 anos. É possível encontrar em parte dessa produção uma preocupação com o registro da memória. Não é irrelevante o fato de que, semana passada, a categoria tenha sido foi duramente reprimida na mobilização que organizou em defesa da área que já sentiu, na prática, – com menos de 100 dias do governo Milei – o peso das políticas de desmantelamento da cultura. A  área cultural é vista, pela perspectiva do novo ocupante da Casa Rosada, como núcleo central do comunismo que continua a ameaçar “às pessoas de bem”.

Lembro que há pouco tempo chegou nas telas do cinema e em plataformas de streaming, o filme “Argentina 1985”.  O filme, dirigido por Santiago Mitre e tendo Ricardo Darín como protagonista, trata do inédito julgamento e da condena a prisão perpetua de 5 dos 9 integrantes das cúpulas militares responsáveis pela rutura democrática anterior.  O julgamento representou um fato inédito na história da região. O julgamento público foi portador de uma dimensão cultural que projetou a ideia de que a justiça para todos e não só para as vítimas de sempre, poderia formar parte do universo do possível. Por aqui essa questão está na ordem do dia.

Retomando, nesse julgamento deram seu depoimento pouco mais de 800 testemunhas, vítimas e sobreviventes da política de extermínio. Os julgamentos continuam até hoje, sem ter lugar na mídia. O número de condenados, desde então,  é 1.124 repressores por delitos de lesa-humanidade, isto é, por delitos praticados sistematicamente pelo Estado e, por tanto, da ordem dos delitos imprescritíveis.

Hoje, as vésperas do feriado, com um governo não só negacionista, mas claramente favorável a louvar e glorificar a “ordem e progresso” que a ditadura ajudou a construir, o feriado ganha centralidade na atual conjuntura política argentina. Só para lembrar de paralelos e consequências, no golpe que depôs a presidenta Dilma, o futuro detento reivindicou o notório torturador Brilhante Ustra. As consequências dessa reivindicação são sentidas até hoje.

Da mesma forma, a campanha do Milei e sua vice-presidente se organizou em torno da reivindicação do realizado pela ditadura, apostando claramente na radicalização. Quem imaginou que os consensos e memórias em torno da defesa dos direitos humanos estivessem consolidados, vê com preocupação as mudanças em curso.   Hoje vemos, com assombro e preocupação, que esses consensos estão se deslocando, estão sendo diluídos, quando não desparecendo em parte da sociedade.  

No Brasil, o governo preocupado com a estabilidade das instituições democráticas, prefere não reabrir as dolorosas experiências do golpe de 1964. Há um recuo em relação à proposta do Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) apresentado pelo governo em 2009.  

Na Argentina, domingo, a palavra de ordem é de não recuar e tomar conta de todos os espações públicos para reivindicar Memória, Verdade e Justiça!

Lenços brancos das Mães e das Avós da Praça de Maio; lenços verdes, símbolo da luta pelo direito ao aborto seguro, legal e gratuito; lenços lilás, do movimento feminista, estão preparados para a ocupar a rua!

Não há trégua na luta pela memória e pela defesa dos direitos humanos.

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O cachorro, a picareta e outras tretas!

https://www.criativos.blog.br/post/o-cachorro-a-picareta-e-outras-tretas

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O Baile.

Trabalho de Daniele Bloris. Poesia e voz: Andrea Estevão.

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Tem gente que não gosta de bloco de carnaval. Carlos Fidelis

Recebi do meu querido amigo de vida, de luta, parceiro de muitos carnavais e de boas gargalhadas, Carlinhos Fidelis. Caminhamos juntos em muitos projetos. Alguns, bem sucedidos, outros nem tanto, mas sempre divertidos. O texto foi escrito faz tempo mas, me informa o autor, que lembrou dele lendo meu post anterior. Então ai vai!

Aproveito para colocar registros de parte desses encontros com o autor e Andrea Estevão nossa nova editora!

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Tem gente que não gosta de bloco de carnaval.

É fato, tem gente que não gosta mesmo. Outros não conhecem e acham que todos os blocos são iguais. O carnaval de rua tem blocos para todos os gostos. Também vá lá: para quase todos. O fato é que eles são muito diversificados, saem em horários distintos e atraem públicos também bastante diferentes. O que dizer das crianças que animam os Gigantes da Lira que desfila em uma rua arborizada nas bonitas manhãs da General Glicério. E dos Escravos da Mauá com seu cortejo de pernas de pau e gente ligada ao teatro e à rica história da zona portuária. E o encantador rancho A Flor do Sereno? O frevo do Ansiedade que traz um pouco de Pernambuco para o Rio de Janeiro. E o animadíssimo Cordão do Boitatá que enfeita o centro e enche suas ruas de música e fantasias.

Os ritmos são muitos e a lista é grande. Reúne desde blocos bregas como o Fogo e Paixão ou os beatlemaníacos do Sargento Pimenta. Tem bloco de Maracatu, de marchinhas, de enredo, de axé. Bloco de jornalistas, de cineastas, de alpinistas, bloco de crianças, de bêbados, de malucos, de gênero, religioso, de burguês, de proletário, da velha e da nova guarda. Tem bloco da Zona Sul e da Zona Norte. Tem bloco até na Barra. Tem bloco que fala de política e outros que exaltam tradições culturais diversas. Tem bloco com trabalho social.Tem bloco do sujo, da lata. Tem até o bloco do Eu Sozinho.

O carnaval de rua é mais do que diversão. É pertencimento. É identidade. É território. É geração de renda para empresários, para o Estado, para o município e para trabalhadores menos afortunados. É preservação de tradições que forma músicos, compositores e interpretes. É economia. É política. É encontro. É arte.

Mikhail Bakhtin, que pensou sobre muitos temas tais como a linguagem, as manifestações festivas, e as possibilidades de dialogo, gostava de lembrar que “as pessoas vão à igreja pelos mesmos motivos que vão à taverna: para estupefazerem-se, para esquecerem-se de sua miséria, para imaginarem-se, de algum modo, livres e felizes.” Friedrich Nietzsche, pensador para quem a vida só era possível pela arte, afirmava que esta última só existe “para que a realidade não nos destrua”.

Podemos também pensar nas delicias das coisas inúteis, afinal assobiar ou cantar uma canção não serve para nada, a não ser tornar a vida mais feliz. São múltiplos os aspectos que envolvem o carnaval de rua, entre eles a possibilidade de trocar a fantasia surrada da aparência cotidiana por uma mais glamorosa. Porém como se diz: nem Jesus agradou a todos.

Tem gente que só gosta de festas fechadas. Entretanto, para quem não gosta de carnaval de rua ainda resta um consolo: é só uma vez por ano.

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Carnaval ou retiro espiritual? Essa dúvida não me consome!

Carnaval ou retiro espiritual? Essa dúvida não me consome!

Recebi, em final de janeiro, mensagem de amigos da serra lembrando que a data para reservar a pousada do retiro espiritual, durante o feriado de carnaval, estava acabando. Depois de ler a mensagem pela terceira vez, não consegui evitar perguntar, que merda é essa? Imediatamente lembrei do bloco que desfila em Ipanema, na rua Garcia D´ávila, domingo de carnaval.

Aproveitei que estava na cozinha e que a geladeira me olhava para abri-la e procurar uma cerveja, que me ajudasse a desvendar o mistério ou o equívoco. A esta altura do campeonato qualquer esquecimento é preocupante. Juro que não lembro de ter bebido com eles, nessas comemorações de fim ano, tanto ao ponto de ter concordado com a ideia do retiro.

Engraçado é que, desde outubro, eu e vários companheiros de folia peregrinamos por diversas repartições -bombeiros, polícia civil, PM, Prefeitura, Riotur – atrás do “nada opor” para realização de desfile carnavalesco.  Não acredito ter sido possível que eu tivesse dito “nada opor” a qualquer conversa que incluísse a simples ideia do retiro, mesmo se tratando de uma simpática pousada, de estilo indiano, escondida na serra e cheia dos gueri-gueri transcendentais. Refeito da surpresa encaminhei mensagem pedindo desculpas pelo aparente mal-entendido.

A única vez que uma ideia como essa passou pela minha cabeça foi durante a pandemia. Devo ter pensado, no retiro forçado experimentado por todos nós, que, se saísse dessa, faria um retiro pra valer.

Confesso que sempre achei curioso que essa fosse opção de muita gente durante o reinado de Momo. Para mim essa possibilidade sempre foi da ordem do inconcebível. Gosto mesmo de multidão, de abraços, samba, suor e cerveja, mas, por força do isolamento, cogitei que estavam dadas as condições para realizar essa experiência. Erro total! Nunca se falou, se fez e debateu carnaval como durante a dupla provação: da pandemia e do governo do futuro detento.

Sempre que pensei em sair do Rio de Janeiro no carnaval a opção do retiro espiritual nunca estava colocada. As opções carnavalescas me tomam de assalto.  A possibilidade de conhecer outros carnavais sempre foi uma ideia sedutora.

Talvez, o que mais se aproximasse do retiro seria participar da festa da Virgem da Candelária, patrona da cidade de Puno, no Perú, na fronteira com a Bolívia. A altitude de 4000 metros sobre o nível do mar, e o Pisco descendo generoso pela garganta para amenizar o frio, na certa acalmaria o espírito.

Poderia, depois de atravessar o Lago Titicaca, participar do carnaval de Oruro na Bolívia e, descendo um pouco mais, entrando na Argentina, encontrar os povos da Quebrada de Humahuaca celebrando o carnaval associado ao culto da terra ou Pachamana, símbolo da pureza e fertilidade.

A opção pelo carnaval de Barranquilla no caribe colombiano, me seduz faz tempo. Declarado pela Unesco Obra Mestra do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade, a celebração me colocaria em contato com as marimondas personagem que, com suas máscaras coloridas com longos narizes e grandes orelhas, agitam o carnaval de Barranquilla até o enterro de Joselito carnaval na quarta-feira de cinzas.

Claro que experiência gaditana, no carnaval de Cádiz, no sul da Espanha, faz tempo que me diz com sotaque andaluz: disfrutame! Assim como me chama, cada ano, com maior intensidade, o carnaval de Sesimbra, simpática vila situada nos pés da Serra da Arrábida, a poucos quilômetros de Lisboa. Ali me aguardam os amigos do bloco Trepa no Coqueiro e Bigodes do Rato.

Dá para perceber que opções não faltam. Esta semana, por exemplo, fui arrebatado pela grandeza de Pedro Ernesto colocando o centenário Cordão Bola Preta na avenida. Bloco que comove e contagia milhares de foliões, entre eles, o Chaves, alter ego do meu querido amigo e parceiro Guilherme Sá. Cada vez que orquestra começa a executar os acordes da marchinha de autoria de Nelson Barbosa e Vicente Paiva, meu amigo não contém as lágrimas e na certa, não é o único.

Motivos para cair na folia não faltam, blocos também não! Não há dúvida que o retiro será adiado sine die.

Resolvida essa questão, informo que hoje, terça-feira 13, vou ao encontro de meus amigos no bloco Meu Bem, Volto Já! Que festeja, no seu desfile no Leme, 30 anos de história e o centenário da publicação do Manifesto da Poesia Pau Brasil, de Oswald de Andrade, que morou no Leme em 1939, no Edifício Tietê. Pelo visto, Oswald saiu de São Paulo, mas São Paulo não saiu dele! Piada Pronta não dá para dispensar.

Vamos lá que abraços, beijos e cerveja não faltarão.

Publicado originalmente em https://www.criativos.blog.br/post/carnaval-ou-retiro-espiritual-essa-d%C3%BAvida-n%C3%A3o-me-consome

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